“Attendendo ao merecimento e mais partes que concorrem na pessoa do Bacharel formado em Direito José Maria d’Eça de Queiroz, e especialmente ao talento de que deu distinctas provas no concurso aberto […] hei por bem nomeá-lo Cônsul de primeira Classe nas Antilhas Espanholas”.

Nascido a 25 de Dezembro de 1845, José Maria Eça de Queiroz foi autor de uma obra literária notável. Estudante de Direito nos anos 60 do século XIX, começou desde cedo a ganhar notoriedade no círculo dos intelectuais de Coimbra. A sua estreia como escritor em 1866, as quezílias académicas que enquanto estudante se viu envolvido, directa ou indirectamente, e ainda a participação nas famosas Conferências do Casino são apenas algumas referências a uma carreira compósita que viria ainda a ser complementada, como pretendemos destacar, pela sua actividade enquanto diplomata. 

Ainda assim, certamente influenciado pela tradição familiar, Eça de Queiroz faria várias tentativas de enveredar pela via da advocacia. Todavia, alguns autores aferem que o fracasso de Eça neste âmbito derivou do facto de nunca se ter afastado totalmente da vida boémia que envolvia o meio literário no qual circulava.

Não obstante, ainda em 1870, Eça de Queiroz prestava provas no Ministério dos Negócios Estrangeiros que lhe dariam acesso à função de Cônsul, ainda que tivesse de aguardar mais dois anos para ser acreditado num Consulado português. Assim, a 16 de Março de 1872 José Maria Eça de Queiroz iniciava a sua carreira diplomática, tendo sido nomeado Cônsul de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas, hoje Cuba. Segundo José Calvet Magalhães, as palavras explicitadas no decreto da sua nomeação tinham subjacente uma “reparação intencional da injustiça” de que Eça havia sido alvo por lhe ter sido vedado o acesso aquele cargo nos primeiros anos. 

A sua actividade em Havana seria contudo breve e marcada por uma série de controvérsias. Desde o começo que a sua nomeação para aquele não fora bem recebida, sobretudo pelos fazendeiros de Cuba que utilizavam mão-de-obra escrava chinesa, vinda do porto português de Macau, fenómeno ao qual o Cônsul português se viria a opor veementemente. Após três longos meses de espera em Cádis,  Eça de Queiroz chegaria a Havana a 20 de Dezembro daquele ano. Durante a sua estadia na colónia espanhola, podemos identificar duas conjunturas com as quais teve de lidar. A primeira, a já referida situação de esclavagismo a que estavam submetidos os imigrantes chineses e cujo estatuto de protecção estava ao abrigo do Consulado de Portugal. Esta situação exigiu a intervenção diplomática de Eça de Queiroz e cujas intenções viriam a tornar a posição deste controverso para alguns dos seus biógrafos. Se por um lado o consideram um acérrimo defensor dos direitos dos chineses, por outro há quem denote alguma ambiguidade nas suas posições e convicções relacionada com os benefícios e emolumentos que a situação poderia propiciar para o Consulado de Portugal.  

A verdade é que da sua intervenção resultou precisamente, segundo José Calvet de Magalhães, a regularização da situação de alguns chineses. Por outro lado, ao chegar a Havana, Eça deparou-se com o impasse da “Guerra dos Dez anos” na tentativa de autonomização da ocupação espanhola em Havana, fenómeno que se abstêm constantemente de referir na sua correspondência. 

A celeridade e eficácia com que tratou de alguns assuntos fez com que despreocupadamente, ainda em Março de 1873, o Cônsul português pedisse dispensa para se ausentar de Havana, alegando a sua saúde se poderia agravar nos meses quentes de Verão. A licença que pediu visava o período compreendido entre 30 de Maio a 5 de Novembro daquele ano. Neste interregno o Cônsul terá viajado para os Estados Unidos da América e Canadá, jornada que, segundo alguns autores, não representou um afastamento dos negócios, mas antes serviu para dar continuidade a alguns dos assuntos pendentes aos quais se aliaram o seu “projecto turístico” pessoal. 

O Cônsul regressou novamente a Cuba ainda em Novembro daquele ano, onde inspirado pela jornada que fizera terá dado continuidade a algumas das suas obras mais conhecidas, e terá ainda projectado outras que não terá chegado a publicar como “ Uma conspiração em Havana”. Influenciado por um lado e influente por outro, o escritor terá, segundo alguns autores, inspirado a chamada geração literária da “Cuba Contemporânea”. 

Em 1874, Eça de Queiroz terá “recorrido aos seus conhecimentos” e terá pedido nova dispensa para se retirar de Havana, regressando a Lisboa ainda em Junho daquele ano. Contudo a sua actividade diplomática não cessara, pois seria novamente nomeado no final do daquele ano para ocupar o lugar de Cônsul em Newcastle para onde partiu ainda a 14 de Novembro. 

Sónia Borges 

 

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Decreto da nomeação de Eça de Queiroz como Cônsul de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas a 16 de Março de 1872; AH-IDI, “Decretos”, Caixa 2015, Documento nº22.

 

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Decreto de estabelecimento em Havana de um Consulado de primeira classe, a 16 de Março de 1872; AH-IDI, “Decretos”, Caixa 2015, Documento nº20 

 

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Primeiras páginas de um ofício escrito por Eça de Queirós, Cônsul de Portugal em Havana, para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Andrade Corvo, relativo aos escravos chineses em Cuba, escrito a 1 de Dezembro de 1873; AH-IDI “Consulado de Portugal em Havana, 1872”, Caixa 577. 

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Ofício escrito por Eça de Queirós, Cônsul de Portugal em Havana, para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Andrade Corvo, pedindo licença para se ausentar de Cuba nos meses de Verão, escrito a 15 de Março de 1873; AH-IDI “Consulado de Portugal em Havana, 1872”, Caixa 577.

 

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 Ofício escrito por Eça de Queirós, Cônsul de Portugal em Havana, para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Andrade Corvo, no qual refere o estado das insurreições ocorridas em Cuba, escrito a 15 de Janeiro de 1873. AH-IDI “ Consulado de Portugal em Havana, 1872”, Caixa 577. 

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